Encontraram-se
no final de suas respectivas aulas, e B. propôs à M. algo que poderia ser assim
interpretado:
«Que tal
entabularmos um papo?», foram. Imagino que se acomodaram ao sol, que se
encostaram em algum muro ou que se sentaram em algum degrau.
Conversa fluida,
veio a rafa «Tem um mercado bem na frente da minha casa, podemos comprar alguma
coisa e almoçarmos juntas», disse M.. Foram. Mediana distância
driblando os côcos dos cachorrinhos das senhoras gordas que adornavam sem falha
as calçadas. Senhoras gordas portadoras e vetoras daquela tristeza própria dos
gordos.
Aterrador
desgosto passageiro. Não havia como manter a elegância.
Fizeram salada
multicolor. M. não comia carne no restaurante universitário, só a da Mama, presumia B. M. só beliscava. Leve
e delicada. B. que era mais alta e robusta, a acompanhava, e por meses a fio ao
meio dia só comia saladas, lá onde só vendiam croudités. Depois B. tremia de fraqueza e fome antes da hora. Porém
à noite rejubilava-se com a ternura da tal companhia diurna. E por meses
enfileiravam-se meios-dias. B. emagreceu. Mas todavia ao lado de M. exibia
aquela mesma fragilidade dos gigantes. E com prego e martelo B. acrescentou
dois furos em seu cinto, primeiro um e dentro de poucas semanas o outro.
Comeram no
terraço, fumaram dois cigarros percapta e tomaram “jus de pomme”, quiçà à Luis
XIII. Esquececeram-se por instantes de seus respectivos tédios provisórios sem
nunca elogiarem o silêncio. Eram frases seguidas de frases, pontuadas por
lépidas respirações. Foi assim desde o princípio. Quando ainda fazia calor e
antes de irem à gare, iam à praia, sentavam-se nas pedras, fumavam cigarros.
Literatura. Falavam de literatura. De qualquer maneira quem quiser aproximar-se
de B. e permanecer em sua vida necessita falar de literatura. Falavam também de
línguas. M. era fonoaudióloga.
Três da tarde,
vento e sombra. M. buscou um echarpe e repousou com doçura nas costas da visita
que tilintava de frio. Flor de delicadeza. Folhas secas na sacada. Pessoas
chegam e logo se vão. Tráfego na sala. A moradora mais antiga na casa era meio hippe e
não usava nunca desodorante, também condenava a prática na vida dos outros.
Conversa muito
boa, cidade já escura, B. resolve ficar para dormir. Inútil resistir à
evidência estarrecedora. Os trens
estavam sempre em greve, de ônibus levaria horas, e na casa de B. só havia
enfado. Hoje ela sinceramente não sente saudade dessa época.
A anfitriã
oferece à B. do vinho feito por seu pai à 17,5%. E lá se foram uma, duas
garrafas. E derramaram juntas, por horas, violentas nostalgias. Dores,
rancores, alegrias, histórias chatas de uma infância que, enquanto uma conta a
outra faz de conta que escuta. Afinal, são detalhes tantos que embora paciência
exista, o fio acaba emaranhando. Riram. Devem ter comido chips e azeitonas.
Noite muito
fria, visita não consegue dormir de tão gelada. Cama de ferro lembrava aquelas
de hospitais. A moça que dividia o apartamento com M. teimava em deixar a
janela da cozinha aberta. Uma espécie de eterno cio balsaquiano. B.
levanta-se, e ao constatar que a janela era tão alta e que não havia cabo de
vassoura por perto, decide acordar M. Anfitriã vai buscar o aquecedor.
Aqueceram-se.
(De como Sávio
levou um chiffre cor-de-rosa).