domingo, 21 de outubro de 2007

Cheguei na cidade que moro há anos não sei precisar o dia da semana, dia em que ela me pareceu particularmente bela. Resolvi caminhar, deixei o carro na garagem, esqueci por algumas horas o que me afligia, e quando me dei por conta, estava numa rua repleta de turistas. Me senti um pouco turista também. Talvez por isso a considerei mais bela do que de costume. Não me lembrava da última vez que passei por aquelas ruas, me surpreendi com a quantidade de gente que passava por ali na mesma hora. Eram pessoas não sei de onde, não prestei atenção que língua falavam. Tiravam muitas fotos, meio sem pensar, com pressa, queriam registrar tudo. Comecei a chorar. Uma mocinha que tirava centenas de fotos, tirou uma de meu rosto. Que diabos ela iria pensar quando, dentre suas fotos tiradas na mais recente viagem, visse um homem chorando. Poderia ter sido o vento, quem sabe um cisco no olho dele. Acho que surpreendente seria se ela descobrisse que esse homem que chorava era um brasileiro, e que não havia cisco nem vento pra provocar choro. Um brasileiro, no Brasil, na cidade que ele melhor conhecia. Chorava por considerar que conhecia aquela cidade tão bem quanto a turista que havia chegado naquele mesmo dia. Ele era um turista ali, talvez mais do que todos que estavam a tirar fotos. Ele não sabia por que estava naquela cidade, por que foi morar naquela cidade e nem por que continuava ali. Me senti típico, ordinário, quantos brasileiros, ou melhor em todo mundo deve haver gente que se sente estrangeiro na cidade que elegeu pra ser a sua. Minhas lágrimas aumentaram. Eu era um turista na minha própria vida.

Luana Azzolin

quinta-feira, 18 de outubro de 2007

Sem sino parte II ou De novo a vaca

Era uma vaca sem sino, com um sapo na mochila e um poema de Manuel de Barros no bolso, aquele em que o menino ganhou olhar de pássaro. Na expectativa de que teria a Getúlio só pra ela. Não percorria há muito aquele caminho, queria sentí-lo a cada passo, reconhecer suas reentrâncias, trazer à tona suas memórias e quedar-se a sós com seus pensamentos. A pouco estava numa casa que, embora tenha vivido por dezessete anos, já não mais a reconhecia. Levara muito tempo pra achar até mesmo uma tomada no quarto que dormira por anos. Riu-se ao lembrar dos bilhetes que sua mãe deixava para a faxineira sobre a mesa de jantar: Limpa direito a cozinha, que tá dura de barata” e “Não esqueça de tirar as telhas de aranha”. Dessa vez não havia mais nada sobre a mesa, rir-se não era possível. Nela somente traços da solidão e do abandono requisitado, uma taça de vinho da noite anterior, uma xícara de café esquecida alí pela manhã. O pai da vaca morava agora sozinho, e ela explodindo de pena não via a hora de sair dali. Voltar o mais breve para o seu mundo, ou ao menos ficar sozinha no trajeto de volta à casa de sua mãe, assim poderia trazer em pensamentos o mundo da época que mais a agradava ou que ao menos não a feria. Mochila nas costas e um tanto pesada, levava alguns livros consigo também, preparada para encarar a Getúlio e poder pensar. Tudo por água. Ofereceram à vaca, carona.

Luana Azzolin

quarta-feira, 17 de outubro de 2007

Das bergamotas

Aquela sacolada de bergamotas bem em cima de minha mesa e aquele risinho de nem me agradece (era uma troca), fizeram eu me sentir o próprio Zsoze Kósta. Escrever por bergamotas, para quem vê de fora pode parecer engraçado, mas além de jocoso é revoltante. Ah, e não eram apenas bergamotas(daquelas enormes que quem conhece o interior do Rio Grande do sul sabe que têm), no escambo estava também incluído um potinho com meia dúzia de rizoles. É. E eu escrevi, para que alguém pudesse tirar uma boa nota numa redação que não era sua.Havia escrito outras também, por bergamotas que nem sempre vieram à vista.Pra outra pessoa ou talvez para um grande fã de bergamotas ou estudioso delas, aquelas teriam sido nota dez. Pra mim não. Elas vieram com uma imensa carga de tristeza, com gosto de falta de leitura(que é a segunda melhor coisa de se fazer no mundo) e cheiro de inimizade com os livros. Me deixaram decepcionada tais bergamotas, provavelmente tenha sido a primeira vez que este cítrico tenha provocado tais sentimentos em alguém.

Luana Azzolin

Como sentir saudade de um pays que continua assassinando a lucidez e premiando o corrupto, o que se curva e se vende, os ladrões que têm (uso esse acento talvez pela última vez antes de sua queda) sua putaria explícita exibida diariamente antes e depois do circo das 6,7,8 na cloaca global?

Dois meses e meio de reflexão bastaram pra convencer-me a jogar para o fundo do armário aquele simpático chinelinho que tem em sua tira, uma também simpática bandeira verde-amarela , que em tamanho natural ostenta discurso hipócrita-progressista (nada contra o pai da frase, até recomendo visitar Montpelier). Saudade tenho é da última Flor do Latium, pois se eu pudesse comer a palavra comia; Dos bons, velhos e novos amigos, dentre eles a Jaqueta (estou sorrindo pra ti agora minha flor), da Yula que , utilizando de novo suas próprias palavras, « estar com ela é como fazer aniversário, amanheço com festa e é sempre benigno »; da Mari-mãe-amiga-irmã, a "sultana"do Dauti, que cada vez que abre a boca, ou me ensina algo ou me faz rir (fico doente só de pensar que não vou poder falar o bom , o mau português, nem brincar com ele em sua companhia por enquanto, e o melhor de tudo, independente do cinismo, da ironia, do abuso neologístico, ser sempre compreendida); Falando no amigo Dauti do qual não pude despedir-me no último natal, pergunto-me se o que lhe matou foram as bactérias do hospital ou o catastrófico resultado da importação de um daqueles erros da modernidade brasileira, senão de todos; a velha importação; Importante/importado (abro um sorriso pro Henfil também). Ele ainda mata e achata meu velho, (às vezes, no melhor dos casos, no sentindo de chatear mesmo):

« - Num tá bão nem nu Sul maravilha, Henfil. »

Já que estou só sorrisos, saudade dos do Felipe, pra mim a melhor guitarra do "sul-maravilha"; O barão de Itararé pregava mais água, mais leite, menos água no leite, e eu para o Felipe, menos mouse e mais palheta! Saudade gigante também de uma cassetada de gente que me ajudou a suportar o insuportável.

Eis o ínfimo desabafo de uma subdesenvolvida num país que embora meio afrescalhado (e com o teclado do computador faltando sempre alguns acentos) lhe dá as condições de vida que nunca teve.

Sem essa de ou me ame ou me deixe, me dê é condições de viver dentre suas fronteiras !

Puta que pariu a pátria que me pariu!

Disse Stanislaw Ponte Preta: Quando estamos de fora o Brasil dói na alma, quando estamos dentro, na pele…

Me sinto hoje uma auto-exilada política;

Páro por aqui senão perco o sono por dez anos;

Luana Azzolin (em uma calada da noite em que a mãe gentil lhe acordou).

quinta-feira, 11 de outubro de 2007

Adormecido ou confortably numb

A inapetência a qualquer convívio já se fizera inerente a mim, pouco por vontade própria e bastante por definitivamente não despertar interesse à ninguém. Passava os dias só comigo, às vezes sem emitir uma sequer palavra. Vez em quando, naqueles dias em que era preciso mesmo sair de casa, era acometido por um sonoro “Ei” ou até mesmo um toque suave em meu braço, confesso que algo sublime em mim era despertado, como numa epifania, mas bastava eu me virar para ver que aquela pessoa queria mesmo era saber onde ficavam os condicionadores, me confundindo com um funcionário, e não a mim. Após terem me tocado, davam-se por conta do engano e desculpavam-se “pensei que fosse o fulano”. Já fazia um bom tempo que as coisas se davam assim. De tanto não haver procura e nem interesse de nenhuma pessoa, fosse um tia velha,chata e gorda, cheguei a pensar que eu não mais existia, que eu era a minha mentira.Não raro ao voltar pro meu esconderijo o único som audível era sempre o de minha respiração, várias vezes bati com força os pés no chão para que eu pudesse ouvir meus passos também, sinal mais verossímil de que havia alguém ali.Sempre soube que somente submerso em enorme tristeza para não ter certeza de minha própria presença.Chorar nessas ocasiões não era sempre inútil, o sal das lágrimas em minha face me provavam que eu ainda era capaz de algo, mesmo que fosse apenas disso.Foi numa dessas em que eu não conseguia acreditar em mim que resolvi tirar a prova.Ví ao final que estava apenas adormecido, mas então já era tarde. Esta conclusão custou-me o reflexo no espelho bem como o embaço nele causado por minha respiração algum dia. Não haveria mais lágrimas que pudessem me mostrar que eu ainda estava vivo, pois já não o era.

Luana Azzolin

Ideal


A fome faz sentir-me vivo. Diferentemente do que me invadia no período em que invejava as vacas.Achava minha rotina semelhante a delas, ia cego em busca do alimento e nada mais. Pero aflito, injuriado, e não sereno e resignado como elas. Quisera eu ser tomado de tamanho conformismo. Perder um amor fez me sentir inteiro como uma, mas sem sino.Hoje tudo mudou um pouco. Os seios sardentos da menina ao lado tinham o cheiro da beleza. Lembraram-me de como é ter alguma vontade de viver.

A garota que se maquia dentro do ônibus com a exímia destreza de um coiffer às seis e trinta da manhã faz eu pensar pra quê? Sempre esperei atento por uma freada, queria ver borrar sua face provando que até as coisas mais simples para alguns podem dar errado em certo momento. A delicadeza de um estranho desmedida e inesperada, ardida como um chicote moral me disse por quê não?Minha falta de simplicidade mostrou-me que não era o caminho. Uma arma na cara provou-me que não era a hora.

Acordar bem cedo e não pensar na dor, trabalhar sem parar pra não lembrar dela.Não levar ninguém pra casa pra não gostar, estar só e se arrepender.Pensar nos seios sardentos da menina e ter medo.Querer ser a menor mancha seja no seio ou na vaca.

Luana Azzolin

sexta-feira, 5 de outubro de 2007

Alterno minutos de poesia com de pânico.

Bebo instantes breves de falsa tranquilidade;

Finjo saber o motivo, auto-destruo

corroo-me, insana espero

o que é dos anos, teimar em piorar.


Luana Azzolin