terça-feira, 4 de outubro de 2011

ekphrasis

Da janela do trem, o céu se prepara, todo rosa pra receber o sol. Tudo é feio ou chato ou igual na manhã que brota. Agora menos triste e gelado pois diminuiu a mesura da matilha de destituídos que vejo. Sinto um calorzinho ilusório e temporário nessa mudança de hemisfério. Esqueço esse tema, invento outra armadilha:

Circulam carros levando casais de solteiros já divorciados. Acordar cedo faz isso com as pessoas? A distância amortece-se à noite ou inflama-se? Se o amor é mesmo líquido porque os humanos insistem em substituir um por outro igual? Finjo parar de questionar enquanto instigo-me a permanecer numa ilha.

Se a calmaria me dá solidão e mesmo assim não renuncio à ilha, vivo um dilema. Já estive erma acompanhada, embriagada de encanto por um sorriso infantil.

Vivo o dilema da volúpia do abandono.

terça-feira, 19 de julho de 2011

Escondo-me a cada dia para que não me vejam. Eles. Tantos e múltiplos, por todos os lados. Escondo-me de teus olhos lindos e daqueles olhos que podem me fazer chegar a tí. Escondo-me dos dias, das noites, nos dias e noites de meu refúgio que conheceste e que crês, às vezes, não poder fazer com que me afaste. Escondo-me de mim, calo-me. Amo-te então com doçura e calma, sem comunicar-te. Gota d’água na pele que não confunde, simbiose branda, resignada. Falta-me força ou paz ou tempo ou coisa alguma para bem poder definir meu querer. Talvez te queira mais e melhor quando longe. Em memória devoro-te sem pressa. Querer- te- ia inteira minha e quotidianamente se livre fosse de fantasmas e medos. Permaneceríamos quem sabe. Permaneceríamos logo ? Se teu amor durável, paciente que fora ainda fosse. Dos tantos possíveis hesito em escolhas. Levo a morte em meus olhos, na poesia do amigo morto. Então quando vivo é palavra, que teima em sair agora e que não chegará a tí.

Quelle idée de m’aimer autant !


No dia em que percebí o dragão que mora em meu jardim tínhamos repartido a noite

Não querias

Quebrei tua resistência a beijos

Impregnei-me de tí alí mesmo


Dias mudos

Silêncios por mim sustenidos

Fala áfona em língua emprestada

Não- dizeres

Troquei-a pela leveza de uma meia-verdade

Pelo não mentir

Libertou-me quiçá

Tornei-me silêncios e lágrimas


E permanecí ao teu lado construindo ilusões

Semeando dúvidas

Plantando nadas na magia da tua insistência

Sentindo falta da tua ausência

Querendo meu silêncio e perceber-me toda

Sem confiar-te meu tempo

Sendo minha


Deixa em paz meu poema

Não escreva entrelinhas por tí interpretadas

Pára

Deixe-o ser

Meu

quarta-feira, 4 de maio de 2011

Ad amorem

Quando perguntou-me se eu tinha levado comigo « aquele filme com Peter Sellers, The party », como se não lembrasse que foi um dos filmes em que mais rimos juntos, pensei mais uma vez que valeu a pena termos ido cada um para um lado. Juntos, o vimos no mínimo duas vezes. Quem sabe a dor da separação tenha sido tão forte que se permitiu esquecer certos detalhes. Outrora também havia esquecido meu aniversário, quando estávamos bem, ainda. Embora quem sabe já nessa época eu assombrava seus dias, suas noites com a minha impaciência e energia, meus empurrões e impulsividade, estas suas palavras e conceitos que me deixam na dúvida entre envaidecer-me ou sentir-me toda erros. França, o « pays de l’amour ». Amar, amar. Até esquecer-me de mim, efervecer e criar forças para parir-me novamente, não sem amar. E de novo um amor após o outro, antes mesmo de acabar o primeiro. E outro, concomitantemente. Ver chegar a dúvida, a hesitação, a cilada. Sentir-me grande-pequena e com a falsa certeza de crer-me capaz de amar-plural, à fond perdu.

...

não posso mais te escrever meias linhas mudas amor

não posso mais te pensar sem lembrar do antes da dor

não consigo mais querer ser somente teu amor

não consigo mais ser somente tua

mas da tua pele sinto o cheiro e a falta

e falta também outras fazem

agora no vazio de meu quarto

Álvaro de Campos musicado

qual amor evoco ?

...

ápice do pânico

o não querer mais cantar o amor

pintar o amor

derramar versos de temática recidiva

versos falsos

léxico gasto

...

quis toda a emoção

toda a aventura

do lado de cá amplificá-las

agudizá-las em meu canto arisco

carente de cheiros e vozes itinerantes

amar para esquivar-me de mim

protelar-me

...

ao amar-te menos

percebi-me

austera

presa

módica

e ainda queres que continue ao teu lado

na sombra do teu medo

na raiva da tua paranóia

queres que eu fique metade, enquanto ainda não um terço

de alma

alma minha perdida

que sonha futuro e liberdade

...

quando ví a lucidez era tarde

no ainda dia

sinapses etílicas

não mais convenientes

overdose de amor agora

entre bares

as always

meteu-se a pesadelos

facada, perseguição, roubo?

nada poderia ser tão permanente assim mon chèr

estável

menino que não soube reter-me pois volátil

de sua própria dúvida

...

preciso ver-te ainda

amor novo

viver-te

inteira

beber tua verdade

e se fôssemos para longe

sermos nós

e se ficássemos permanecendo

permanecendo-nos clareza

permanecendo-nos satisfação

e mais todos aqueles possíveis

que nos sabem

permaneceríamos?

...

joelhos de velha

casa que queima na noite

pensar algébrico

sempre

dor cativa

muda

o amor, a casa

fica o puzzle

infinito

sábado, 26 de março de 2011

Poesis epilepticus


Quando o sorriso não escorre mais da boca e ela não consegue mais dar beijo vazio, isolo-me. Calada observo, submeto-me aos dias, meses e anos ao constante desalento, cativo, cíclico, besta.

Desalento besta escorre viscoso

dia lento

desalento sólido, ermo

invade a tarde

instala-se

estala-se de não-deixar-fazer-nela-febril

sol indardendo

longe

dias contando dias

querendo

desalento todo

findo

Um delírio anêmico

um pífio

um mono

um oco

Inodoro desvario

delírio anêmico

entrar em mim

impregnar de mim

ficar eu

ficar em mim

onipotência lúdica

omnipotencia lúbrica

delírio anêmico

Algo não ecoa por aqui

alegoria lúgubre

algo não ecoa por aqui,

híbrido medo

destilada falta

na noite morna

algo não ecoa por aqui

algo não ecoa por aqui

Mentiras táteis

Sinapses secas

Sintaxe áfona

Retórica átona

Sonhos disléxicos

Mistura esdrúxula

algo não ecoa por aqui

carícias flácidas, incontundas

verborreia solta

verborreia desenfreada

caoticamente poética

nada lento

tédio pontua o silêncio

Te penso meu amor louco, tóxico

te pensava forte e com ares de senão sempre

ainda muito

te penso meu amor agora

daqui a pouco

há dias te chorava

te penso mas não perdoo

tua agulha

libertou-me de ti, tal um istmo, por onde arrasto-me

te penso meu amor tóxico como quem hesita

titubeias em minha alma

Melissas rosa pra alegrar

a vida vazia de lírica

Vãs veleidades minhas

insanas

insones

incôngruas dúvidas

dormentes, tênues

perene embaraço

dos anos revolutos

a esmo

sem berço

cíclica gravidez de eus

múltiplos, confusos

dementes

sedentos

de vida lépida

Minha hermética prosa

repousa, ousa

escorre sem causa

razão disléxica falsa

nata

frouxa nevrose

na noite alta

Paralelos

paradoxos

multipla-escolha

85, 3% de liberdade em essência

Minha calma aparente

inventada

é toda por mim

criada

minha calma aparente

transborda de calma- aparente- inventada

elo do rude- barulhento

surreal-inusitado

deixa que venham

que pousem

marés de tormenta

por mim também criadas

minha calma inventada

me dá asas

encouraja tua loucura já cansada

adolescente

minha calma-aparente- inventada

quer ver o novo

que a tua loucura ignora

minha calma-aparente- inventada

parece instalada

leva-me

vacina-me

mas não me afasta da tua terna essência de calma roubada

Uma ideia sem acento

agora devo ter

tive

beijos nemésicos

línguas

carinhos ébrios

música ruim

risadas

tinta

abacate

corpo inteiro

atraente

tentação perene

abortada

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Étienne

Impressão de ter existido demais por hoje. Vontade de desligar o botão, dar pause. Semana passada uma pessoa querida suicidou, e eu me arrependi de quando ela me procurava, nunca ter tempo. Tempo que não dá pra voltar. De pensar que estaria sempre alí, fui adiando. Escrever, ligar, sempre pro outro dia. Não pedi as poesias que planejava publicar, traduzir para minha língua. Agora já era. Já era ele, já era publicar suas poesias. Nunca vou esquecer do verso que continha nos langues râpeuses, que um dia ele me mostrou em sua casa, no meio de tanta bagunça, fumaça, álcool. Da mesma ocasião em que critiquei o papel de parede de seu apartamento e ele me disse que não se incomodava, o contrário de mim que considerava aquelas florzinhas tellement fatigantes. Talvez quisesse ajuda; queria amigos, queria ser lido e que vissem suas gravuras. Eu não dei nada disso. Concentrei-me apenas em meu mundinho umbigo-de-merda. Foste parar no hospital e eu nem soube. Não te liguei nem te escrevi. Confesso que algumas vezes por semana desejava uma faca na minha barriga, talvez por isso considerava-me companhia imprópria. Eu errei Etienne. Agora me sinto um monstro de desatenção. Nem fui saber como correu teu estágio, nem te contei do meu. Nós que éramos os únicos a levar térmica com chá para a aula. Tú que me davas do teu pois a tua era bem maior. Tú que utilizavas alfabeto fonético para anotar tudo. Tú que me fazias pensar na dor que tenho em meus joelhos. Meus joelhos que me faziam pensar em tí cada vez que doíam, como aconteceu na quinta, quando já estavas morto e eu nem sabia. Tú que não tinhas namorada e tão poucos amigos em Toulouse, que moravas sozinho. Rien de nouveau au pays des abeilles. Achei que não fosse mais capaz de chorar. Nada. Nem lembro se cheguei a te falar do poema do brasileiro Leminski sobre o homem com uma dor, acho que sim. Tú e tuas pernas que doíam tanto. Tú que tomavas tantos medicamentos. Eu ía em breve te pedir teus poemas. Eu também acho difícil ir vivendo. Por isso me escondo, por isso renovo, por isso conquisto, por isso deprimo, por isso ignoro, por isso culpabilizo, por isso parto. Tá feio esse início de ano. Nem sei mais do quê sinto saudade, às vezes ela pinta, efêmera. Hoje não me mudo de tanto não querer ir a lugar algum. A realidade selon Hic Ille. A realidade, essa gangorra. Teu brinquedo preferido quando pequena, não era isso que dizias Luana? Toma, agora brinca.

sábado, 19 de fevereiro de 2011

l’heure du vide


Accouche une chanson, on m’a dit

Chanson multi-langue schizo

London- me alone there, no à Toulouse

Para eus.

Chanson non, poésie singée

Abstraitement concrète

Là où tout est tu, agonisant comme mes poumons

S’est fait écrire mon ode au printemps et son heure d’été

L’heure- du- vide commence

Sans permisso

L’envahissante heure- du- vide commence toujours à la même heure

Comment remplissons nous-t-elle si elle est déjà pleine

Mettons de la poésie abstraitement-concrète

Etouffée par les silences cycliques

Poésiemorte-heureduvide-silence

Silence-heureduvide-poésiemorte

Dans moi tout est silence sinistré

Poésie sinistré dans le je du silence

Qui circule et comble

Les heures mortes étouffées

Silence à deux, à un

Silence toujours silence

Dans mon je frénétique

Dans ma syntaxe dyslexique

Dans mes phrases atones

Dans mes mots surds-timides-fatigants

Incrustés de peur

La peur- du- vide arrive et est là

Me regarde et va toujours y être

Peur pleine de poids et de puissance

Peur permanente de ce qui est là

Dans le moi qui n’est pas transformé

Qui ne se contrôle pas

L’heure-du-vide brasse m’embrasse et me tiens compagnie

Elle s’endort l’hiver

Le soleil la réveille

Elle me rend poussière infime

Femme-peur-doute-flammeéteinte

L’heure-du-vide me rend plus seule à chaque vide.

(luana azzolin) avril 2010

domingo, 30 de janeiro de 2011

Ele, da sacada, dizia que tinha um gato bebendo agua da piscina.

Ela, atrás do computador, escondia um soluço. Soluço provocado pela falta de indulgência aos atos outrora abortados. Condescendência zero ao não feito. O nada em julgamento.

Ele, instava na sede do gato, batia o pé, assobiava, como que pra chamar a atenção do mesmo, assassinando o silêncio.

Ela, já não escrevia nem escutava, só entendia o gato. Se ele queria aumentar o absurdo, ela também já tinha ensaiado.

Ela desliga o computador mas a moça do outro lado, quase que materializada a acompanha.

Ela, vai direto pra cama lembrar.

Estava quase conseguindo experimentar outra vez o odor longíguo daqueles cabelos, outrora longos, encaracolados, que havia impregnado delicadamente em seu antigo travesseiro. Ele, com sua habitual ausência de destreza, vê na porta um rochedo e a escancara. Entra no quarto já sonolento mas querendo um resto de conversa, invade o abstrato e o soterra. Roubo.

Naquela noite, como n’outras tantas, ficaram os três na cama, ele, ela e a menina que tem vontade de morrer um pouco, esperando o sono instalar-se deveras.

Luana Azzolin